Como você, sua empresa e os profissionais que nela trabalham reagem em relação à concorrência? Com fair play ou com provocação, a fim de desestabilizá-lo para obter alguma eventual vantagem com isso?

SAÃO PAULO, SP, 16.04.2017: Rodrigo Caio do São Paulo e Jô do Corinthians, na primeira partida das semi finais do Campeonato Paulista, no estadio do Morumbi. (Foto: Léo Pinheiro – Folhapress)

Nessa época do ano podemos assistir às finais dos campeonatos estaduais de futebol no Brasil. Campeonatos com pouca expressividade, com pouco público, e que interessa aos times menores, para que se mantenham em atividade, já que no segundo semestre do ano desmontam suas equipes, pois não disputam outros torneios. O grande negócio para esses times é a revelação de jogadores que depois são vendidos para grandes times do Brasil ou do exterior.

Fiz questão de manter a data na foto acima, pois não sei quando você lerá esse texto, e nela os dois protagonistas de algo pouco comum no futebol em geral e no brasileiro em particular: Rodrigo Caio, atleta do São Paulo, destacou-se no noticiário por uma atitude elegante, o fair play, ou jogo justo, numa tradução literal.

Se você não se lembra ou não ouviu falar, num lance na área de defesa do São Paulo, Rodrigo Caio e Jõ, jogador do Corinthians, envolveram-se numa jogada em que o goleiro tricolor, Renan, levou um pisão na coxa. O juiz daquela partida aplicou um cartão amarelo ao jogador do Corinthians, que ficaria fora do segundo jogo da decisão, que aconteceu em 23 de abril.

Ao perceber que o colega de profissão seria punido injustamente, Rodrigo Caio, quem de fato pisou no colega de time sem intenção, foi até o árbitro e disse o que houve. Imediatamente o árbitro cancelou o cartão aplicado e aplaudiu, literalmente, o jogador do São Paulo.

O que aconteceu depois disso?

1. O próprio técnico do São Paulo, Rogério Ceni, evitou comentar com ênfase o fato, limitando-se a dizer que foi uma atitude de respeito.

2. Há boatos de que o tema foi abordado em reunião com os jogadores no Centro de Treinamento do time na Barra Funda, com a recomendação de que não se repetisse, o árbitro é quem deve preocupar-se com isso e não os jogadores.

3. Maicon, atleta do time tricolor afirmou em entrevista: “Prefiro a mãe do adversário chorando do que a minha”. Não sei se a impressão para você é a mesma que para mim, mas me lembra muito os discursos que acontecem num outro contexto que não o do esporte.

4. Jô agradeceu a atitude, e, não entendi se para provocar ou não, afirmou: “mas eu pisei, sim.” As imagens de diferentes câmeras mostram que ele não pisou, mas a eventual necessidade ancestral herdada pelo cérebro reptiliano, de mostrar-se como o exemplar alfa do rebanho, faz com que algumas pessoas tenham esse tipo de reação. E orgulham-se dela.

5. Jô não apenas participou da segunda partida, como fez o gol do empate de 1 x 1, que levou o time do Corinthians à final.

6. Em meio ao clima de decisão, os jornalistas preferiram perguntar ao Rodrigo Caio se ele se arrependeu da decisão que tomou no primeiro jogo, e ele invariavelmente respondeu que não. Após o segundo jogo, os jornalistas reduziram suas análises a “Jô faz o gol e Rodrigo Caio tem uma atuação apenas discreta”. Eu juro que tento entender a parte inteligente da manchete, mas sem sucesso.

7. Talvez, e mais uma vez, o atleta esquecendo-se das dezenas de câmeras com ricos recursos de aproximação e de imagem lenta, e indo num caminho totalmente oposto ao do Rodrigo Caio, Fagner, atleta do Corinthians e da Seleção Brasileira, num lance fora da disputa de bola aplica uma joelhada na coxa de Cueva, do São Paulo, a conhecida paulistinha, quem já levou uma sabe, isso dói uns 3 dias. Confira no vídeo abaixo e tire suas conclusões, menos como torcedor, mas como ser humano racional e pensante: isso era mesmo necessário? O lance desleal acontece aos 10 segundos nesse vídeo.

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No mesmo dia, indo mais ao sul do país, no campeonato Catarinense, jogaram Criciúma X Chapecoense. O time da casa venceu por 1 x 0. A Chape apenas cumpria tabela nessa nona rodada do segundo turno, pois já está nas finais, conquistou o turno antecipadamente.

Após o resultado, a torcida da Chapecoense comemorou com gritos de “ão, ão, ão, segunda divisão”, em referência à presença do Criciúma na Série B do Campeonato Brasileiro. A torcida do time da casa então devolveu: “ão, ão, ão, abastece o avião”, referência ao trágico acidente de 29 de novembro de 2016, Resposta rápida, criativa, porém extremamente irracional.

E para encerrar as lições que o futebol proporcionou num único final de semana, a cotovelada que o brasileiro Marcelo desferiu contra o argentino Messi, na partida entre Real Madri x Barcelona, vencida pelo Barça por 3 x 2, com dois gols de Messi.

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Eu já fui árbitro de lutas de kung fu, a convite e sob instruções técnicas do mestre Dani Hu. Numa das aulas preparatórias, um dos colegas que também participava do curso perguntou:

– Mestre, em que momento interrompemos uma luta para decretar o vencedor quando ele já imobilizou o adversário, ou não interrompemos e deixamos seguir até o golpe final?

– Se está claro que um dos atletas vai vencer, preserve a integridade física, principalmente daquele que pode ser derrotado e interrompa.

– Uma vitória bem expressiva não é boa para o espetáculo da luta? Mesmo se o que vai vencer for um dos nossos atletas?

– Principalmente se for um de nossos atletas. Kung Fu não é violência, é uma filosofia. O que ensina-se quando existe humilhação, e exercício desnecessário de força. Coloque-se no lugar do Mestre ou dos Pais do outro atleta. Raciocine como se o que vai ser massacrado fosse o seu filho. Ou um de nossos atletas.

Eu uso essa medida para tomar decisões na maioria das vezes: e se fosse meu filho, minha filha, o diretor da empresa em que trabalho, um colega de profissão, um vizinho que torce para o mesmo time que eu. Quando é a hora de agir com fair play, com dignidade, com respeito pelo ser humano?

Eu, naturalmente, responderia: SEMPRE, mas o meu discurso está mesmo alinhado com as minhas ações? Eu de fato acredito e pratico o que eu digo? Lembre-se, a tartaruga vence a lebre, apenas na fábula atribuída a Esopo, e recontada por Jean de La Fontaine. O mundo real está recheado de exemplos de espionagem industrial, de sabotagem, de puxadas de tapete, de traições de todo tipo, e algumas joelhadas na coxa, nas costas e até na cara, quando ninguém está vendo, sempre com uma justificativa louvável, que pode ser levada em conta, conforme quem conta e como conta. Ben Laden tinha razões nobres de sobra para justificar o ataque às torres gêmeas: em nome da conveniente interpretação equivocada de um livro sagrado, o Alcorão, “que chorem as mães dos americanos!”

Penso que a melhor balança seja a consciência de cada pessoa, mas lembre-se, existem dezenas, aliás, centenas ou milhares de “câmeras” espalhadas por aí, dotadas de recursos da “mais alta tecnologia”, que poderão flagrar você no momento menos nobre de sua vida, e muitos “jornalistas” farão com que você seja lembrado apenas por isso, apesar de tudo o mais que tenha feito de muito bom na vida.

Você nem precisa responder agora, mas é sempre bom refletir a respeito, como dizem por aí, “nesse mundão de meu Deus”, quem você quer ser? porque nós podemos mudar quem somos, mas jamais o que somos, e a vida é uma caixinha de surpresas, igual ao futebol, no final o placar e as câmeras vão mostrar friamente aquilo que somos.


Humberto Massareto é Palmeirense, mas nem sabe a escalação do time, afinal, a vida é muito mais que futebol.